Gente, o post hoje é muito especial. Eu vou falar um pouco sobre o sistema imune do bebê e sua relação com o sistema imune da mãe. Antes de ser fotógrafa eu me formei em Ciências Biológicas e concluí meu doutorado em Imunologia e parte do meu trabalho envolveu a amamentação e a transferência de componentes pelo leite para o bebê. E acho que esse assunto é importantíssimo tanto para quem está esperando um bebê quanto para as mamães que já têm um ou mais filhos. Então vou fazer uma série de posts envolvendo esse assunto e tentando esclarecer como funciona o sistema imune do bebê e qual o papel da mãe no desenvolvimento dele.
Mas vamos pelo início, não é mesmo? Para começar, o que é o sistema imune? A gente costuma aprender que o sistema imune é o sistema de defesa do nosso corpo e embora essa afirmação não esteja errada, é um tanto incompleta. O sistema imune é sim composto de várias células de defesa e vários outros componentes produzidos por essas células, que irão proteger nosso corpo em caso de uma infecção por bactérias, vírus ou outros patógenos. Mas não é só isso que o sistema imune faz.
Já foram amplamente estudadas as várias funções que os componentes do sistema imune têm durante o desenvolvimento do feto. Irei falar um pouco sobre essas funções no decorrer do texto.
Alguns fatores placentários induzem a multiplicação de várias células do sistema imune, muitas dessas células são responsáveis por proteger o feto em desenvolvimento de qualquer tipo de microorganismo que tente entrar na placenta, um ambiente estéril e totalmente preparado para o bebê que está se formando. Além disso, algumas dessas células, como os chamados macrófagos, ajudam no desenvolvimento da própria placenta. Algumas modificações no organismo da mãe também são fruto do “trabalho” de células do sistema imune, como o remodelamento vascular. Outras células (como monócitos) têm sua função reduzida para que não ataquem o feto, que é um “corpo estranho” no organismo materno.
Nos seres humanos, as células e órgãos do sistema imune se proliferam rapidamente já no primeiro trimestre de gestação e segue se desenvolvendo durante os outros meses. Embora o sistema imune seja considerado “completo” ao nascimento, na prática é um pouco diferente, pois tudo que o bebê e criança entrarem em contato irá moldar o final do desenvolvimento desse sistema. Isso porque as células imunes, embora já existam no organismo do bebê, muitas vezes são imaturas funcionalmente. Então muitas delas estão lá, mas ainda não são funcionais. Algumas atingem a maturidade funcional por volta de algumas semanas de vida, outras apenas depois de alguns anos. Por esse motivo o bebê é muito suceptivel a infecções.
A primeira linha de defesa do organismo são a pele e as mucosas (a superfície "interna" que reveste o trato gastrointestinal, urinário, etc). Nesse caso, esses componentes já são formados no início da gestação para garantir alguma proteção já nas primeiras semanas de vida. Muitas outras células também já estão presentes nessas primeiras semanas, mas em uma taxa muito baixa, o que não garante uma proteção adequada ainda.
Quando se trata de anticorpos, eles já são produzidos em baixa escala desde a gestação, embora ao nascimento ainda sejam considerados imaturos e não tenham uma função muito adequada ainda. A exposição a estímulos externos durante a infância é muito importante para que esses anticorpos venham a ser produzidos adequadamente. Por isso é muito importante que o bebê tenha contato com pessoas – saudáveis – e não fique tão restrito ao colo e ao contato apenas com os pais. Embora seja importante ressaltar que o contato com pessoas doentes pode ser extremamente prejudicial ao bebê, justamente devido ao fato de o sistema imune dele não estar funcionando adequadamente ainda.
Essa demora no amadurecimento do sistema imune se dá por um redirecionamento de energia e nutrientes para outros órgãos e sistemas que ainda estão se desenvolvendo. Também é importante para a pessoa desenvolver uma tolerância a certos compostos, principalmente componentes da dieta, o que faz com que não sejamos, via de regra, alérgicos a tudo que comemos.
Mas e então? O que acontece com o organismo, já que o sistema imune ainda não está funcionando “adequadamente”? Como somos protegidos durante esse tempo?
É aí que entra o sistema imune da mãe. Diversos componentes já completamente formados e ativos em sua função são transferidos da mãe para o feto através da placenta. Por esse motivo uma boa saúde da mãe é fundamental não apenas para a gestação em si, mas também para garantir que esse suprimento seja passado tanto para o bebê em formação quanto após o nascimento. Isso é um grande indicativo de como a placenta é altamente desenvolvida e um filtro tão incrível. Ao mesmo tempo que tem que impedir a entrada de componentes do sistema imune da mãe, para não atacar o bebê, precisa permitir a entrada de outros componentes desse mesmo sistema para garantir a proteção do feto!
A segunda “ajuda” importantíssima que a mãe dá para o bebê é através do aleitamento. Vários componentes do leite humano não têm um papel nutricional mas sim alguma outra função, como por exemplo anticorpos, células e proteínas que compõem o sistema imune e hormônios. Inclusive outros fatores que antigamente acreditava-se que tinham função apenas nutricional para o feto, como algumas gorduras, têm outras funções na proteção contra patógenos. Então além de alimentar, o leite é importantíssimo na proteção imune para o bebê que não tem o seu sistema funcional ainda.
Essa transferência de elementos do sistema imune da mãe para o bebê é tão importante, pois mãe e bebê estão no mesmo ambiente, então os mesmos patógenos que o bebê entrar em contato, a mãe também entrará e o organismo dela começará a produzir “defesas” específicas para aquele patógeno, que são então passadas para o bebê que está no útero ou sendo amamentado. Inclusive a vacinação da mãe já foi apontada como uma importante estratégia para reduzir infecções na criança.
É importante ressaltar que o estado nutricional da mãe pode afetar a eficiência dessa transferência de componentes da mãe para o bebê, então manter uma alimentação balanceada é fundamental para uma boa formação do sistema imune do bebê.
Para fortalecer o sistema imune da criança, então é importantíssimo que a mãe mantenha uma dieta muito balanceada e diversificada, com boas fontes de proteínas, vitaminas, micronutrientes, que irão passar para o filho pela amamentação, além da transferência dos componentes do sistema imune já formados que eu falei durante o texto. Isso nos mostra o quão importante é essa fonte de alimentação para o bebê – o leite materno -, até que as outras fontes de nutrientes possam ser introduzidas à sua dieta.
Outro fator muito importante, que já foi comprovado, é que possuir um animal em casa ajuda a criança a desenvolver bem seu sistema imune e dificulta a ocorrência de alergias e outros problemas respiratórios, como asma e bronquite. Os benefícios de ter um animal em casa são imensos e variados, então não vou me estender muito nas variedades e focar no tema desse artigo que é o sistema imune. Uma das explicações para que esse benefício aconteça é o que já mencionei acima. Lembra que no início da vida o sistema imune do bebê e da criança ainda é imaturo? E que uma das causas para isso é para que ele não desenvolva uma resposta a coisas comuns da nossa vida, como as proteínas e outros compostos dos alimentos. Da mesma forma, tendo contato com um animal nessa época, a criança também tenderá a ficar “tolerante” a esses compostos, presentes no pelo dos animais e terá uma menor chance de ficar alérgica a eles no futuro.
Essa ideia tem o nome de “Hipótese da Higiene”, que demonstra claramente que quanto mais limpo é o ambiente onde a criança é criada, muito maiores as taxas de desenvolvimento de alergias e problemas respiratórios. Obviamente isso tem que ser balanceado, pois senão a criança não irá desenvolver alergias, mas irá pegar outros parasitas que vivem na sujeira. Basta que tenhamos bom senso de deixar o bebê brincar um pouco com seu pet, um pouquinho no chão “limpo” da própria casa, não se desesperar se ver que o filho comeu algo que caiu no chão da sua cozinha, mas sem deixar de lado a segurança.
Dessa forma, serão altas as chances de que seu bebê – e criança – tenha um sistema imune totalmente eficaz, sem desenvolvimentos de alergias e outros problemas crônicos no futuro.
Em um próximo artigo posso falar mais sobre a amamentação e sobre os componentes que são passados da mãe para o filho.
As informações contidas nesse texto foram retiradas de vários trabalhos, mas principalmente dos três abaixo:
What are the roles of macrophages and monocytes in human pregnancy? por Mao-Xing Tanga e colaboradores
Nutritionally Mediated Programming of the Developing Immune System por Amanda C. Palmer
Family size, infection and atopy: the first decade of the “hygiene hypothesis” por David P StrachanEspero que o texto tenha ajudado a esclarecer um pouco esse assunto tão complexo que é o sistema imunológico!
PS: Todas as fotos que ilustram o post são de minha autoria e só podem ser utilizadas por terceiros mediante autorização.